(continuação)

A exclusão de grupos como o dos jornaleiros, criados e mulheres retira algum alcance ao quadro. A actividade que estas desenvolveriam ao domicílio, dependentes, por exemplo, dos fabricantes, seria considerável, mas não a podemos documentar, neste período. Encontramos referência a uma actividade profissional feminina, a da costureira Luiza Joaquina, do Bonfim, que auferia, da Santa Casa da Misericórdia do Porto, 800 reis por mês, por cada um dos expostos de que era ama: Bernardo, de cinco anos e Albina, de três. Também numa relação de 50 tendas e tavernas que existiam no concelho de Campanhã, referem-se 14 mulheres(12).

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Relação das tendas e tavernas que existem neste concelho.

Com as limitações decorrentes de dados fornecidos por uma relação de eleitores, observemos o quadro que permitiu elaborar.

Notamos que o sector secundário (43,3 %) quase atinge o peso, do sector primário (47,7 %). Os proprietários e lavradores, elite política do concelho, estão representados, neste último grupo, por 1,1% e 10,9%, respectivamente. Nele se destacam os trabalhadores (20%), e os pescadores (5,8%), concentrados em S. Pedro. Em 1836, a Câmara Municipal do Porto oficiara à de Campanhã a utilização pelos pescadores de redes proibidas pelas leis do Reino e posturas municipais (13).

Quanto ao sector secundário, na sua composição destacam-se os grupos ligados à construção (15%), os fabricantes (11,2%), concentrados na zona do Bonfim, a que voltaremos, os ofícios ligados ao vestuário e calçado (5,6%), os moleiros (4%), numa variedade de trinta ofícios, alguns muito especializados como o dos ensambladores (Formiga).

Nos serviços, notemos os religiosos (11,7%), os estalajadeiros da Rua da Prata e da Rua do Bonfim, e também, mais dispersos, os vendeiros, recenseados lo num total de 50. Um requerimento dos vendeiros e lojeiros em 9 de Fevereiro de 1935, faz-se ecos de protestos pela elevação das licenças, declarando que «não podem tolerar arbitrariedades. (14).

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Posição dos vendedores e lojeiros
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Ora o ano de 1836 foi particularmente difícil: escassas colheitas, o agravamento do custo de vida gera mal-estar entre os grupos sociais, nomeadamente os que vivem de salários. Também a população ligada à produção oficial sofre rudemente o aumento da concorrência da produção estrangeira, sobretudo inglesa, em fase de superprodução, inundando os mercados portuenses.

Tal concorrência estaria na base do motim ocorrido no Porto em 25 de Abril de 1836, despoletado por ensambladores, e outros ofícios, que destoem o mobiliário importado de Hamburgo.

Esta situação de mal estar de assalariados e pequenos produtores artesanais não deixou de criar inquietação entre as classes médias que, decididamente se servirão do seu poder de voto para manifestarem a oposição ao governo nas eleições gerais de li de Julho de 1836 (círculos eleitorais do Douro, Beiras e Algarve).

Assim, no Porto, em 1836, os sectores ligados à produção artesanal parecem maioritários em relação aos sectores da burguesia no poder, mais ligados, porventura, à especulação financeira e à propriedade fundiária.

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Conta da Receita e Despesa.

É neste contexto de dificuldades que se compreendem os queixumes que se transcreveram dos vendeiros de Campanhã.

A Câmara, solidária, enfrenta, por seu lado, a gestão de um exíguo orçamento.

As receitas são constituídas por foros e laudémios (ou direitos recebidos pela Câmara na transacção entre particulares, de bens foreiros). Em relação aos foros de bens concelhios, é notável a resposta da Câmara do Porto, de 17 de Dezembro de 1834, ao pedido de relação daqueles que deviam começar a ser pagos à Câmara de Campanhã, com manifesto desinteresse da primeira.

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Resposta da Câmara Municipal do Porto à de Campanhã.

São evidentes dificuldades de relação entre os dois concelhos, recém-criado um à custa da mutilação do outro.

Quanto às verbas provenientes da alienação de terrenos, baldios e maninhos, incluíam as sisas (5% do valor da transacção, em «metal livre, por uma só vez, para a Câmara»).

Em 1835 são vendidos pela Câmara 9 terrenos: 5 na Rua da Prata, 2 na Formiga (num dos quais se encontrava a «Antiga Pedra da Audiência» do couto de Campanhã, como se disse), um terreno na Rua do Alecrim, outro na Aldeia.

Em 5 de Maio de 1836 procedeu-se à anulação da venda de um terreno baldio a Luís António Gonçalves Lima, por irregularidade processual: o contrato, ao contrário do que ocorrera, devia ser celebrado em hasta pública, «procedendo a Câmara a editais e todas as legítimas formalidades» (16).

Os terrenos vendidos pela Câmara em 1836 localizam-se no Senhor do Bonfim, no Ilhéu e dois na Lameira.

É interessante o afã urbanístico do concelho: os pedidos de venda de terrenos são justificados pela necessidade de «puxar à frente» construções já existentes, que se avantajam em altura e profundidade, de «alinhar» por construções já edificadas, surgindo armamentos, de «aformosear» lugares, explicitando-se benefícios decorrentes para a segurança pública: «as mesmas autoridades mandam endireitar e alinhar para obstar encruzilhadas sinistras e escápulas de más esperas» (17).

Solicita-se mesmo o parecer do Arquitecto da Cidade do Porto, Joaquim da Costa Lima Sampaio, que, com o fiscal da Câmara de Campanhã, decide o alinhamento a respeitar pela edificação de uma nova propriedade na Rua da Prata do Senhor do Bonfim, em 7 de Dezembro de 1835 (18).

0 recém-criado concelho assumia, assim, a dinâmica da urbanização.

Vimos que as receitas do concelho se restringem a foros (apenas um novo aforamento, de terreno maninho em Maceda, em 1834) a vendas e licenças. 0 montante da arrematação do Imposto Municipal lançado sobre o vinho que desembarcava no «Esteio e outras praias do concelho» atingiu 414 000 reis, a pagar em quatro quartéis. Foi arrematado por Pedro José Ferreira, da Rua de Santa Catarina, Porto, no ano de 1836, quando o Concelho, entretanto extinto, já dele não pode beneficiar.

Até 1835 estes rendimentos municipais entravam nos cofres das Provedorias Gerais, não podendo assim, avolumar as receitas.

Quanto às despesas do concelho, são praticamente absorvidas por vencimentos dos Empregados: Secretário, Contínuo e oficial de Diligências.

0 futuro do concelho parece ameaçado pela insuficiência de recursos materiais e humanos.

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Extinsão do cocelho de Campanhã

A comissão encarregada de propor um Projecto para a divisão administrativa do território do Reino, constituída por Miguel Franzini, José da Silva Passos e José Joaquim Leal, pronuncia-se, no seu Relatório de 29 de Setembro de 1836 a favor da extinção dos pequenos concelhos, considerados inviáveis.

Assim, a nova divisão territorial decretada em 6 de Novembro de 1836 suprime 48 concelhos no distrito do Porto, entre eles Campanhã, que é integrado no concelho do Porto.

Mas, apenas em 24 de Dezembro do mesmo ano, a Câmara Municipal e o Administrador do concelho de Campanhã recebem a informação de que «continuarão em efectivo exercício nos seus cargos até que lhes seja comunicado por esta Administração Geral do Distrito a sua desoneração» (19).

Tal comunicação ocorreu em 9 de Fevereiro de 1837(20), ficando extintas funções municipais em Campanhã, doravante freguesia do Porto, tendo-se-lhe mantido os limites. Apenas em 1841 a freguesia de Campanhã é mutilada a ocidente (Sacaes, Reimão, Prado) com a criação da freguesia do Bonfim.

Inviabilizada enfio a experiência da autonomia, triunfa a funda ligação ao Porto, a cujo «Termo Velho», Campanhã sempre pertencera.


(12) AHMP Correspondência 4976 (8.a) e (9.a), 15 de Agosto de 1834.

(13) AHMP 4976 (83), de 16 de Setembro de 1836.

(14) AHMP 4976 (24.a).

(15) AHMP 4976 (20).

(16) AHMP 4976 (92).

(17) AHMP Documentos de aforamento e vendas de terrenos 4980, 3 de Julho de 1836.

(18) Ibidem, 7 de Dezembro de 1835.

(19) AHMP 4976 (157).

(20) AHMP 4976 (167)

(21) Agradecemos vivamente ao Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva ter-nos facultado a Comunicação «Liberalismo e Municipalismo: A Vida Efémera do Concelho de Campanhã», apresentada ao Congresso «0 Porto na Época Contemporânea».


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