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A 0CUPAÇÃO HUMANA

OS factores físicos de um território são fundamentais ao estabelecimento humano. Numa primeira fase da sua organização a grande limitação poderá ser o próprio relevo, condicionando o traçado dos caminhos, a existência ou não de bons solos agrícolas e áreas defensivas, factores presentes na fixação populacional séculos atrás.

Cite-se, a título de exemplo, no que respeita à defesa do território, o limite oeste da freguesia, onde se localizam as cotas mais elevadas (160-180 metros). Se, actualmente, essa área é atravessada pela Avenida de Fernão de Magalhães, importante via de penetração na área central, terá sido há pouco mais de um século, numa altura em que se questionavam posições e estratégias defensivas na luta entre liberais e miguelistas, local escolhido para a construção de fortificações.

Note-se que a área oriental do vasto território portuense, dada a baixa altitude marginal, facilitava o acesso ao seu interior, contando que o rio Douro constituía a única via de transporte eficaz.

A confirmá-lo, consta na «Carte Topographique des Lignes D'0porto» (Fig. n.° 2) de 1834 e da autoria de F. P. A. Moreira, a Bateria das Oliveiras, a norte da Quinta da China; o Forte de Campanhã a sul da Quinta de Rangel e o Forte do Pinheiro no externo norte.

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Assim, pode imaginar-se outrora na freguesia de Campanhã uma população vivendo quase exclusivamente da prática agrícola (complementada pela criação de gado e pastorícia), que produzia principalmente para a satisfação das suas necessidades.

As deslocações à cidade eram pouco frequentes, tal a distância tendo em conta o tipo de transporte disponível. Assim mesmo, realizava-se com certa regularidade, a Feira do Gado (ou Feira dos Bois) no Campo 24 de Agosto (mais tarde transferida para a Corujeira), e à qual ocorriam muitos criadores e agricultores de Campanhã.

De facto, a existência de dois rios (Tinto e Torto) e a localização na margem direita do rio Douro, terá favorecido a escolha, não só por deterem terrenos férteis nas suas margens, mas também pela necessidade de água para as actividades da população.

A proximidade do rio Douro permitiu que ao longo do tempo, dada a reduzida altitude da freguesia a sul (Esteiro de Campanhã), se fixasse e desenvolvesse uma povoação em larga medida relacionada com a pesca e comércio fluvio-marítimos.

Os «valboeiros»(1) eram utilizados não só para a pesca do sável, mas também para o transporte de passageiros e mercadorias, principalmente pão, diariamente trazido pelas padeiras até à Ribeira.

De facto, não podemos ignorar que a dificuldade de penetração para o interior por terra, era ultrapassada pela possibilidade de navegar no Douro, rio que apresenta um considerável caudal médio anual.

É óbvio admitir que, se existiu este tipo de actividade, ela perdurou até ao momento em que o crescimento das necessidades de consumo, o tipo e o ritmo da vida urbana e a necessidade de tornar mais rentáveis as operações piscatórias, criaram novos hábitos e com eles o abandono de muitas áreas onde se praticava uma pesca tradicional.

Por outro lado, a boa qualidade do solo e a suavidade do relevo nalguns locais, terão beneficiado a prática da agricultura, cuja função de abastecimento variou ao longo do tempo.

Pode ainda imaginar-se que os lavradores deste espaço, próximo do burgo portuense, produziam não só para consumo local, mas também para as freguesias mais centrais da cidade. A agricultura era praticada por uma população dispersa que contactava com a cidade sobretudo pelas ruas do Freixo, Meiral, Azevedo, Bonjóia e S. Roque da Lameira, que irradiavam do núcleo antigo.

A existência de desníveis no terreno, exigiu ainda a prática de agricultura em pequenos vales e rechãs (por vezes em socalcos), reflexo dos esforços empreendidos para vencer os condicionalismos naturais.

Mais tarde, o crescimento industrial e urbano vai marginalizar esta actividade, passando a ter uma função complementar e, mais recentemente, pode mesmo considerar-se de residual, destinada sobretudo ao autoconsumo, praticada em pequeníssimos quintais ou em raros campos nos vales dos rios Tinto e Torto.

Assim, principalmente a partir do século XIX, com o crescimento da cidade do Porto, a urbanização vai entrar em concorrência directa com a actividade agrícola na ocupação do solo.

Com efeito, a industrialização desenvolve-se em estreita competição com o espaço rural, acompanhando um povoamento disperso ao longo das principais vias, beneficiando de uma mão-de-obra barata, que abundava na freguesia de Campanhã, quando a existência de matéria-prima (linho) e energia (água) contribuíram para o arranque e consolidação da indústria nesta área.

Se inicialmente as estradas que ligavam a freguesia ao centro mais não eram do que simples caminhos, mais tarde, com a abertura de novas ruas e a instalação de unidades fabris, vislumbra-se um futuro diferente.

Por conseguinte, e não esquecendo que se trata de uma área considerada durante muito tempo como «arrabalde» do velho núcleo portuense, teremos de admitir que ela foi alvo da projecção de inúmeras realizações urbanísticas, numa altura em que o núcleo central começava a ficar congestionado populacionalmente.

Assim, das planas áreas ribeirinhas (Freixo, Meiral, Pinheiro, Bonjóia e Azevedo), a população espalha-se pelas de cota mais elevada (Currais, Cruz, Contumil, Antas e Godim) não com o intuito de amanhar a terra, mas procurando locais para residir, numa altura em que as práticas agrícolas deixam de ser rentáveis e quase única ocupação possível.

A modificação tanto do espaço físico como das próprias actividades, encontra-se directamente ligada ao estabelecimento de novas infra-estruturas, como a da construção da estação do caminho-de-ferro, que resultou, fundamentalmente, no aparecimento de um pólo que acrescentou a área da estação aos antigos lugares do Pinheiro, Bonjóia e Azevedo.


NOTAS
(1) Barco com características nórdicas, cujo nome está ligado à vizinha área de Valbom.


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