Vamos iniciar pelo nosso já conhecido largo do
Viriato, mas desta vez pelo sentido oposto ao do segundo percurso,
ou seja, pela antiga Rua dos Fogueteiros, hoje Rua Azevedo de
Albuquerque. Ao nosso lado esquerdo, está a mole imensa de
granito do paredão que foi necessário levantar sobre estacaria a
grande profundidade, por ser o terreno pantanoso, graças as aguas
do Rio Frio, que iremos encontrar daqui a pouco outra vez.
Este paredão foi necessário para sobre ele assentar
a Rua de D. Miguel, depois por D. Pedro IV baptizada de Rua da
Restauração, para ligar a Cordoaria ao Viriato, já que antes de
desaparecer a Rua dos Carrancas a ligação das duas zonas só era
possível com o trajecto por um alcantilado e escabroso caminho
aberto entre penedos".
Desse tempo, ficaram-nos em testamento
as escadas da Rua da Laje e suas imediações, a que foi prometida
solução quando se construísse o Palácio da Justiça, mas que a
injustiça humana vai deixando apodrecer e cair aos poucos sem
respeito pela palavra dada e pela vida de quem lá mora... Dois
pormenores antes de continuarmos: primeiro, as grades sobre o
parapeito do muro; tal como as que iremos deparar nas Virtudes,
servem para tentar dissuadir qualquer um de tentar por termo a vida
atirando-se lá do alto. Segundo, possível graças à pena de Horário
Marçal em "O Tripeiro": em Marco de 1852
construiu-se o passeio do lado sul desta rua e foi o primeiro a
ser construído com guias de granito, sendo o espaço entre as guias
e a parede sido cheio com pedra lajeada (hoje é em cimento).
Do lado esquerdo, temos as traseiras do Palácio da
Justiça com uma enorme estatua de João das Regras a olhar para o
rio. É um inestético edifício, daqui visto, e que veio substituir
o Mercado do Peixe. Ou melhor, em 1952, quando começaram as demolições,
já o mercado tinha mais que encolhido na sua ocupação, uma vez
que o edifício passou a servir também para albergar as vendedeiras
do Mercado do Anjo, edifício que se estava a demolir, e tantos anos
andou o terreno sem ser aproveitado...
O Mercado do Peixe tinha a frontaria para a Cordoaria
e o piso inferior com saída para esta rua, onde nos encontramos.
E a ligar os pisos uma escadaria, em granito como se impunha, mas
com um corrimão de ferro ao meio, que dava um jeitão para uma
"guna de escorregadela".
Do lado direito a já referida
Quinta do Capitão Meireles, o Horto e a Arvore. A seguir temos uma
extraordinária correnteza de prédios, do lado esquerdo do jardim,
e, do lado direito, um belíssimo miradouro sobre Miragaia de Baixo,
Massarelos, Gaia, o Cabedelo com a saída do Douro para o mar a
surgir-nos por sob o arco da Ponte da Arrábida.
É caso para
parafrasear A Lusitânia do Bairro Latino e dizer com António
Nobre: "Que lindo! Que lindo!". Para este jardim está em
projecto uma casa de chá com a comodidade que se impõe.
Ao nosso
lado, um grupo escultórico de Gustavo Bastos, "Os Quatro
Cavaleiros do Apocalipse" - que originariamente estiveram à
entrada de Gomes da Costa, onde a conclusão foi a de que "eram
muito pequenos para o local". o arquitecto Gustavo Bastos nunca
considerou este seu trabalho completo. Esperamos que tenha agora
oportunidade para o completar, com a tal forma que faz estacar Os
cavaleiros...
Naquele correr de casas ao lado esquerdo está
instalada uma das mais antigas casas de fados da cidade - o Passeio
das Virtudes -, onde tantas noites pontificou, com Os seus versos,
um grande (e injustamente esquecido) poeta portuense da nossa geração,
Vasco de Lima Couto. Lá ao fundo fica a descida da Cordoaria Velha
(hoje Francisco da Rocha Soares - justa homenagem a um dos grandes
mestres da cerâmica portuense que precisamente nesta rua tinha a
sua fabrica). Do lado direito, a íngreme calçada das Virtudes, de
que já falámos. No inicio desta calcada, no primeiro prédio do
lado esquerdo nasceu e viveu os felizes anos da infância e da mocidade
(que não da juventude porque nele é eterna) o jornalista,
dramaturgo e escritor Manuel Dias.
Logo a seguir, a menina bonita da Junta de Freguesia
(e com razão, diga-se): num prédio recuperado está instalada a
Casa da Cultura de Miragaia, onde se desenvolve um projecto com três
vertentes: o apoio ao estudo (onde os estudantes que voltam das
aulas encontram quem os ajude nos trabalhos de casa e a quem é
fornecida uma refeição leve que, para muitos deles, será a
primeira do dia, quando não a única); Os ateliers de olaria; e a
iniciação à "informática" (no ultimo caso mete pena
tantas inscrições para a disponibilidade de quatro computadores
apenas...). Logo a seguir, fica o terreno onde decorrem as obras da
mais que necessária Escola C+S de Miragaia. E era por esta descida
que Se passeavam as mais lindas mulheres dos séculos XVII e XVIII,
no dizer de Firmino Pereira.
Lá ao fundo, a Fonte do Rio Frio, a que já nos
referimos, e pela Rua dos Armazéns a recordar Os ditos da Real de
Companhia Velha, vamos até ao antigo Largo da Praia e podemos
percorrer amorosamente a antiga Rua dos Arcos (a actual Rua de
Miragaia, claro!), onde no n.º 104-105 nasceu o poeta Tomas António
Gonzaga a 11 de Agosto de 1744. Esperamos que na reconstrução de
toda a frente desta rua se venha a dar a esta casa o relevo que bem
merece.
E por falar em reconstruir, há uma casa particular,
frente à Igreja Matriz, que merece sempre o olhar surpreso e
admirativo
dos que comigo por vezes andam a visitar esta zona. Por uma questão
de pudor nunca indagamos a quem pertencia e, por tal, não nos
move louvaminhar quem não temos o prazer de conhecer, mas tão-só
fazer-lhe justiça pelo prazer que nos dá a vista de uma casa bem
inserida no seu contexto. Uma das outras casas está a construir-se
no local onde existia um parque infantil, um pouco degradado, e que
com novo equipamento foi transferido para o Largo da Alfândega. De
ressalvar o cuidado havido em manter, na recuperação desta área,
a estreita viela que vai dar à Viela da Baleia, a tal que Sousa e
Reis quer que o nome derive de um osso do animal que, afirma ele,
estava numa das paredes.
E vamos até ao Largo Artur Arcos, a justa homenagem a
este artista nascido na Rua do Cidral de Baixo em 1914 e falecido em
1987 na sua residência, à Rua de Tomas Gonzaga. Um artista de
Miragaia que, através da pintura, a retractou com tanto amor, tanto
quanto punha nas suas reconstituições. A merecer atenção o seu
espólio. Que se não perca.
Para
encerrar, uma referencia às festividades com que a freguesia
homenageia o seu orago - o Senhor S. Pedro -
com ornamentações, iluminação e arraial popular, bem à
medida das gentes de Miragaia.
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